Mais bartlebys
Vila-Matas já disse em entrevistas que freqüentemente recebe cartas indicando bartlebys que não incluiu no livro, alguns propositadamente, outros porque os desconhecia. Pois o Pulsão Negativa também tem recebido sugestões de bartlebys, e vou começar a registrá-las para que formemos aos poucos nossa própria lista.
Da Meg Guimarães:
Uma pena que no livro, Vila-Matas não consignou - ou por desconhecer ou por vontade própria - o nosso (brasileiro) caso mais famoso, Raduan Nassar, que só escreveu Um Copo de Cólera e o outro que me falha a memória neste momento em que estou "paralisada" por uma tremenda gripe, misturada à alergia.
Raduan Nassar (nascido em 1935) publicou Lavoura Arcaica e Um Copo de Cólera nos anos setenta, e depois calou-se. Diz-se que atualmente se dedica à agricultura no interior de São Paulo.
Do Rafael Lima:
Anoto pelo menos dois casos de escritores que não escrevem no Brasil. Nenhum deles parece ser tão radical na sua não-escrita quanto os do livro, mas creio que se enquadram na categoria. O primeiro é Ivan Lessa, que em cinqüenta anos de jornalismo soma apenas dois livros publicados, contra sua vontade. Ivan Lessa sempre se recusou a escrever romances e pouco se preocupou em pôr lombada nos textos mais atemporais ou contos. É dele uma citação ácida acerca disso: "Livro é coisa de pobre; de gente que lê Veja, que escreve para publicação brasileira; que foi, é ou vai ser contratada pela Globo. Seria uma questão de tempo eu ceder à tentação e terminar (...) publicado e resenhado. Com sorte, passaria desapercebido." Curiosamente, Diogo Mainardi, que se diz discípulo de Ivan Lessa, parece seguir tão à risca certo conselho que usou-o como título de seu livro, onde a presença de material inédito é de 0%. O conselho de Lessa: "Não escreva; se tiver que escrever, trate o resto da humanidade aos tapas e pontapés." Anote-se aqui ainda que, depois de quatro boas tentativas, Diogo desistiu de ser escritor e rendeu-se ao jornalismo.
Mas o segundo caso de quem eu falava não era Mainardi, era Carlos Heitor Cony. Depois de Pilatos, em 1975, Cony ficou quase vinte anos (dezoito, creio) sem escrever, até sair Quase Memória, em 1995. As justificativas de Cony estão entre o vago e o questionável: disse ele que preferia ficar cuidando do cachorro, que não tinha nada a dizer naquele meio tempo, que só escreveu o livro quando o cachorro morreu e porque tinha descoberto o processador de texto, que agilizou demais a escrita. Já encontrei entrevista dele dizendo que, se não fosse pelo processador, não teria voltado a escrever.
Não sei se Lessa, Mainardi e Cony mereceriam a denominação de bartlebys. Porque mesmo deixando de publicar em livro ainda escrevem, e muito. Ivan Lessa é correspondente da BBC Brasil, Diogo Mainardi é colunista da Veja, Carlos Heitor Cony é cronista da Folha de S. Paulo.
Parece-me que a característica principal de um bartleby não é negar-se a publicar em livro e sim negar-se a publicar em qualquer formato (ou, ainda mais radicalmente, negar-se a escrever). Incluiria numa lista de bartlebys, portanto, Raduan Nassar mas não Ivan Lessa, Diogo Mainardi ou Carlos Heitor Cony.
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