Quarta-feira, Junho 29, 2005

Lerín, Melville, Borges

Apesar de Ferrer Lerín ser um falso bartleby, passear pelo seu site rendeu uma surpresa curiosa. Numa página em que "se transcriben fichas halladas en el interior de algunos libros de la biblioteca de Ferrer Lerín", encontrei listado o Bartleby do Herman Melville. Mais interessante ainda foi descobrir que a tradução para o castelhano publicada pela Emecé Editores, de Buenos Aires, em 1944, é do Jorge Luis Borges ("prólogo y versión directa del inglés por Jorge Luis Borges").

Ferrer Lerín

No capítulo 16, Vila-Matas fala de Ferrer Lerín, poeta barcelonês que teria largado a poesia para estudar abutres numa cidadezinha chamada Jaca. Encontrei o website do Ferrer Lerín (nascido em 1942, ainda vivo) e a informação que "actualmente reside en Jaca dedicado a la escritura". Ele realmente é ornitólogo ("miembro de la Sociedad Española de Ornitología así como del Grupo Mundial de Trabajo sobre las Rapaces") mas aparentemente não deixou de escrever ou de publicar. Talvez seja prematuro classificar um escritor como bartleby antes que tenha morrido.

Quinta-feira, Junho 23, 2005

María Lima Mendes

O personagem principal do longo capítulo quinze é María Lima Mendes. Não consegui encontrar na web qualquer referência a ela que não fosse através do livro Bartleby e companhia, o que pode indicar que se trata de mais uma figura inventada pelo Vila-Matas ou de uma pessoa real que não deixou marcas dignas de nota. E é esta a característica do personagem que interessa ao narrador, sua condição de ágrafa apesar de toda a potencialidaade de ser escritora (ou literata, como preferia). Sua desculpa ou explicação inicial era o chosisme, mania dos escritores dos anos setenta de fazer livros sem trama mas com foco nas coisas e em suas descrições. Depois de dedicar trinta páginas do seu romance de estréia somente para descrever o rótulo de uma garrafa de água mineral, foi vitimada pelo famoso writer's block. Retomou a escrita, usando o método de Robe-Grillet, que segundo o narrador consistia em "deter-se mais que o necessário no trivial" numa tentativa de anular o tempo. Novo writer's block. "O golpe final lhe foi dado por um texto de Barthes, precisamente Par où commencer?", conta Vila-Matas. O ensaio discute a dificuldade dos princípios, particularmente os escritos, e assim María Lima Mendes desistiu de continuar escrevendo seu primeiro livro. A história ainda continua, com María mudando de cidade e de nome, mas a única coisa que pude verificar como real foi o texto do Roland Barthes (1915-1980), incluído no volume Nouveaux Essais Critiques.

Segunda-feira, Junho 20, 2005

Ainda outra biblioteca imaginária

Outra biblioteca de livros imaginários: The Invisible Library is a collection of books that only appear in other books. Within the library's catalog you will find imaginary books, pseudobiblia, artifictions, fabled tomes, libris phantastica, and all manner of books unwritten, unread, unpublished, and unfound.

Mais uma biblioteca imaginária

Pensando em bibliotecas imaginárias, lembrei-me evidentemente do Jorge Luis Borges e sua Biblioteca de Babel, um mundo-biblioteca possivelmente infinito contendo todos os livros possíveis em todas as línguas possíveis em todas as combinações possíveis ("Lo repito: basta que un libro sea posible para que exista."). O conto está disponível online em castelhano (La Biblioteca de Babel) e em inglês (The Library of Babel).

Domingo, Junho 19, 2005

Bibliotecas imaginárias

Bibliotecas imaginárias, este é o tema do capítulo quatorze. As primeiras citadas são as do Alonso Quijana (de Don Quijote, de Miguel de Cervantes) e do capitão Nemo (de Vinte Mil Léguas Submarinas, de Jules Verne), que têm em comum o fato de não sabermos exatamente que livros continham mas entendermos que formavam acervo vasto e significativo para seus donos, ambos à vivendo margem de suas respectivas sociedades. No mesmo plano aparece também a Biblioteca de Alexandria, não exatamente imaginária, porque realmente existiu, mas também residindo no território mítico depois de ter sido destruída.

Vila-Matas menciona também um livro sobre livros imaginários que Blaise Cendrars queria escrever, Manuel de la Bibliographie des Livres Jamais Publiés Ni Même Écrits. A única referência a isso que encontrei foi um artigo de Claude Leroy, chamado Manuel de la Bibliographie des Livres Jamais Publiés Ni Même Écrits par Blaise Cendrars, na edição de junho de 1976 da revista Europa. Infelizmente, o site da revista disponibiliza os índices mas não os textos, portanto não sei exatamente de que trata o artigo. Blaise Cendrars (1887-1961) era o pseudônimo do escritor suíço Frédéric Louis Sauser, autor de Moravagine e Les Confessions de Dan Yack, entre outros. Perdeu um braço na Primeira Grande Guerra e um filho na Segunda Grande Guerra.

A última biblioteca citada, menos imaginária que as outras, é a Brautigan Library, em Burlington, estado de Vermont, nos EUA, que se propunha a reunir manuscritos nunca publicados, seguindo a idéia apresentada no livro The Abortion, do Richard Brautigan. Não encontrei um site da biblioteca (e nem sei se ainda funciona), mas achei uma Brautigan Virtual Library. A ironia de um projeto destes é que, ao ser aceito e incluído no site, o manuscrito deixa de ser "nunca publicado".
O escritor estadunidense Richard Brautigan (1935-1984) ficou associado com a contracultura dos anos sessenta e escreveu Trout Fishing in America e In Watermelon Sugar, entre outros. Suicidou-se com um tiro de espingarda na cabeça.

Quarta-feira, Junho 15, 2005

Jaime Gil de Biedma

O capítulo treze é basicamente uma grande citação de Jaime Gil de Biedma (1929-1990), poeta espanhol que é um bom exemplo de pulsão negativa. Depois de publicar alguns livros de poemas (o último, de 1968, com o título sugestivo de Poemas Póstumos) e um de memórias (Diario del Artista Seriamente Enfermo, de 1974), Biedma abandonou a escrita, não somente por estar desencantado com a literatura mas principalmente por estar desencantado com a vida. "¿Por qué escribí?" Yo creía que quería ser poeta, pero en el fondo quería ser poema."

Quarta-feira, Junho 08, 2005

Cravan e Crane

Arthur Cravan (1887-1918) e Hart Crane (1899-1932) são reunidos no capítulo doze por terem ambos alegadamente desaparecido nas águas do México sem deixar rastros.

Cravan, dadaísta suíço que dizia ser sobrinho de Oscar Wilde, editava e escrevia (acredita-se que todos os colaboradores eram somente pseudônimos de Cravan) a revista Maintenant (cinco edições publicadas entre 1912 e 1915). Uma tarde, no México, segundo Vila-Matas, foi passear de canoa e nunca retornou. Encontrei versões diferentes do episódio, nenhuma mencionando uma canoa. Aparentemente, Cravan enviou sua esposa grávida para a Argentina e combinou de se encontrar com ela lá. Chegou a escrever uma carta para a mãe dizendo que estava de partida do México e que as próximas cartas deveriam ser mandadas para Buenos Aires. E nunca mais ficaram sabendo notícias suas.

Crane, poeta estadunidense, escreveu longos poemas de inspiração eliotiana, entre eles o famoso The Bridge, sobre a ponte do Brooklyn. Vila-Matas conta que, numa travessia de Veracruz a New Orleans, Crane teria desaparecido depois de conversar com outro passageiro, um comerciante do Nebraska chamado John Martin. Mais uma vez, encontrei versões diferentes para a morte de Crane. A viagem era de volta a New York, não New Orleans. A última conversa com um passageiro aparentemente foi uma cantada mal sucedida que terminou com Crane sendo agredido. E o desaparecimento parece não ter sido tão misterioso, já que todas as fontes que encontrei dizem que o poeta suicidou-se atirando-se do navio.

Inspiração

Na página 38, Vila-Matas diz algo que vai parecer familiar a muita gente que pensou em escrever mas nunca escreveu: "não escrever nada por estar esperando a inspiração é um truque que sempre funciona". Claro, escrever dá trabalho, muito trabalho, e o que a maior parte dos aspirantes a escritor quer não é realmente escrever e sim ter livros publicados, a glória sem a labuta, o fim sem o meio. Stendhal dá a receita simples e eficaz: pelo menos duas horas de escrita por dia, com ou sem inspiração.

Segunda-feira, Junho 06, 2005

Robert Derain

No capítulo onze, o narrador conta que enviou uma carta para Robert Derain, autor de Eclipses Littéraires, "magnífica antologia de narrativas pertencentes a autores cujo denominador comum é terem escrito um único livro em sua vida e depois terem renunciado á literatura". Tanto quanto pude averiguar, Robert Derain é mais um dos personagens criados por Vila-Matas para ser misturado à longa lista de escritores verdadeiros citados no texto. Estarei enganado?

Retorno

Não, o autor deste weblog não foi vitimado pela pulsão negativa. Na verdade, viajei para os EUA e deixei no Brasil meu exemplar de Bartleby e companhia. Agora que estou de volta por tempo indeterminado, retomo a releitura do livro e os comentários neste weblog.