Quarta-feira, Março 30, 2005

Bazlen e Giudice

O sétimo capítulo é dedicado a Bobi Bazlen (1902-1965), assessor de editoras italianas (Bompiani, Einaudi, Adelphi) e amigo de escritores famosos (Svevo, Proust, Montale), que dizia: "Creio que já não é possível escrever livros. Portanto, não escrevo mais livros. Quase todos os livros não passam de notas de rodapé, infladas até se transformarem em volumes. Por isso escrevo apenas notas de rodapé." Parece uma afirmação intencionalmente hiperbólica, já que o próprio Bazlen foi responsável pela introdução de vários autores na Itália, como Musil e Kafka. Pois, se achava impossível a escrita de livros, como explicar suas recomendações às editoras?

Ao falar de Bazlen, Vila-Matas apresenta Daniele Del Giudice (nascida em 1949) e seu romance O Estádio de Wimbledon, no qual se pretenderia responder por que Bazlen não escreveu. É interessante que, depois de ter dito no início de Bartleby e companhia que "apenas do labirinto do Não pode surgir a escrita por vir", o narrador agora encontra em Giudice outro caminho, "a moral da forma, o prazer de um objeto bem-acabado". E vai um pouco mais longe: "o romance de Del Giudice ilustra a impossibilidade da escrita, mas também nos indica que podem existir olhares novos sobre novos objetos e que, portanto, é melhor escrever que não o fazer."

Terça-feira, Março 29, 2005

Pepín Bello

O sexto capítulo de Bartleby e companhia lembra o quase artista Pepín Bello (nascido em 1904 e, pelo que pude averiguar, ainda vivo e recentemente premiado). Não deixa de ser surpreendente que, sem ter escrito um livro, pintado um quadro ou dirigido um filme, José Bello Lasierra, mais conhecido como Pepín Bello, seja tão freqüentemente citado junto com seus colegas de residência estudantil Salvador Dalí, Luis Buñuel e Federico García Lorca. Aparentemente, sua influência foi grande sobre todos eles. Diz Vila-Matas: "Na Espanha, Pepín Bello é o escritor do Não por excelência, o arquétipo genial do artista hispânico sem obra."

Sexta-feira, Março 25, 2005

A vaidade e a fama

Ainda no quinto capítulo, ao falar sobre a vaidade e a fama, Vila-Matas despeja mais uma série de nomes da literatura, não necessariamente ligados à Sindrome de Bartleby: Sêneca (circa 3AC-65DC), Fernando Pessoa (1888-1935), Valéry Larbaud (1881-1957), Rodolfo Wilcock (1919-1978). Deste último é mencionado o conto curto El Vanidoso, que está disponível online juntamente com outras histórias de Wilcock: Cuatro relatos.

Marguerite Duras

Na página 25, uma citação de Marguerite Duras (1914-1996): "Escrever também é não falar. É calar-se. É uivar sem ruído." A curiosidade é que Vila-Matas, ao mudar-se de Barcelona para Paris, alugou um apartamento que era propriedade de Duras. Vez por outra, em alguma entrevista, ele graceja dizendo que não pagava o aluguel, que a escritora insistia em cobrar.

Segunda-feira, Março 21, 2005

Friedrich Hölderlin

No quinto capítulo, Vila-Matas compara Walser a Hölderlin, porque ambos terminaram seus dias em isolamento, um num manicômio, outro num sótão. De Walser já falamos. Johann Christian Friedrich Hölderlin (1770-1843) é considerado um dos maiores poetas da língua alemã. Sua produção foi interrompida pela loucura, e nos muitos anos que passou encerrado no sótão de seu amigo Zimmer ainda escreveu alguns poemas desencontrados, que assinava com pseudônimos como Scardanelli e Killalusimeno. "Às vezes a escrita é abandonada porque a pessoa simplesmente cai em um estado de loucura do qual nunca se recupera."

Bill Watterson

Alexandre Inagaki fala de um Bartleby dos quadrinhos:

Bill Watterson, provavelmente acometido pela Síndrome de Bartleby, teve publicada sua última tira de Calvin & Haroldo em 31 de dezembro de 1995, e nunca mais publicou um desenho sequer de sua maior criação. Desde então Watterson vive recluso com a esposa em Chagrin Falls, Ohio. Não vai a convenções de quadrinhos, não assina autógrafos, não concede entrevistas e ainda solicitou à Universal Press Syndicate, que distribui mundialmente as tiras de Calvin & Haroldo, para que ela não lhe encaminhasse mais correspondências de fãs. É inevitável comparar suas atitudes com as tomadas por escritores como J. D. Salinger, Raduan Nassar ou Juan Rulfo, que espontaneamente abdicaram da literatura e foram cuidar de suas próprias vidas; que eles sejam felizes, porque merecem.

Quinta-feira, Março 17, 2005

Marcel Bénabou

Ainda no quarto capítulo, há espaço para citar Marcel Bénabou (nascido em 1939): "Entretanto não vá pensar, leitor, queo os livros que não escrevi são puro nada. Ao contrário (que fique claro de uma vez), estão como em suspenso na literatura universal." Apesar do título do volume de onde saiu a citação, Pourquoi Je N'Ai Ecrit Aucun De Mes Livres, Bénabou escreveu vários livros. Um texto interessante sobre três deles é Reading Marcel Bénabou, de Warren Motte.

Hoffmann, Balzac, Flaubert, Mallarmé

Continuando a lista do quarto capítulo, Vila-Matas diz que "basta dar uma olhada na literatura do século XX para perceber que os quadros ou os livros 'impossíveis' são uma herança quase lógica da própria estética romântica" e menciona E.T.A. Hoffmann (1776-1822), Honoré de Balzac (1799-1850), Gustave Flaubert (1821–1880) e Stéphane Mallarmé (1842–1898), juntamente com associações à síndrome de Bartleby que me parecem tênues, forçadas. Se formos buscar esse tipo de referências vagamente ligadas a "toda essa gente paralisada ante as dimensões absolutas que implica toda criação", imagino que poderemos encontrar exemplos por toda a história da literatura.

Terça-feira, Março 15, 2005

Hofmannsthal, Kafka, Gide, Musil, Valéry, Wittgenstein

O quarto capítulo de Bartleby e companhia é um desfile de autores, já que Vila-Matas começa com uma lista de escritores que foram bartlebys ou escreveram sobre bartlebys no século XX e termina com uma lista dos escritores do século XIX que os teriam influenciado. Falo agora sobre os mais novos e depois sobre os mais velhos.

Hugo von Hofmannsthal (1874-1929), austríaco, autor de muitos livros, libretista de várias óperas de Strauss, entra na lista de Vila-Matas por ter escrito Ein Brief des Lord Chandos (A Carta de Lord Chandos), onde Lord Chandos escreve a Francis Bacon desculpando-se por ter abandonado a literatura. É um texto exemplar da pulsão negativa e será citado mais vezes no decorrer do livro. Há uma versão em inglês disponível online: The Letter of Lord Chandos.

Franz Kafka (1883-1924), tcheco, tem múltiplas conexões com a síndrome de Bartleby, e também voltará a aparecer no livro. Aqui é citado por causa de seus Diários, onde é discutida a "impossibilidade essencial da matéria literária". Sua relutância em publicar o que escrevia (acredito que somente alguns contos seus foram impressos enquanto estava vivo e que todos os seus romances são publicações póstumas) o caracteriza como bartleby, e seu conto Um Artista da Fome tem muito em comum com Bartleby, the Scrivener. Há uma versão em inglês disponível online: A Hunger Artist.

André Gide (1869-1951), francês, entra na lista por conta do seu Paludes, onde um personagem fala sempre em escrever um livro que nunca chega a escrever. Robert Musil (1880-1942), de quem já falamos antes, volta a aparecer, novamente por causa do romance O Homem Sem Qualidades (Der Mann Ohne Eigenschaften), em que enaltece a idéia de um autor improdutivo. Paul Valéry (1871-1945), francês, também tem seu personagem emblemático da síndrome de Bartleby, Monsieur Teste, protagonista de vários contos, que renunciou à escrita e atirou sua biblioteca pela janela.

Ludwig Wittgenstein (1889–1951), austríaco, só publicou um livro antes de sua morte, o Tractatus Logico-Philosophicus, conclusão de seu período de estudo sob supervisão de Bertrand Russell e que lhe valeu o título de PhD. Depois disso recolheu-se ao campo, deu aulas em escolas rurais e foi jardineiro num mosteiro. Vila-Matas aponta a existência de um segundo livro, um vocabulário rural austríaco, que poderia ser fruto dessa fase. Mesmo assim, sua produção posterior ao PhD foi compilada por alunos que resgataram cadernos de anotações e textos de palestras, e seu Philosophical Investigations foi publicado em 1953.

Sábado, Março 12, 2005

Por uma literatura do Sim

Artigo do Vinícius Martinelli Jatobá sobre Bartleby e companhia: Por uma literatura do Sim. Parece-me que escapou a Jatobá muito da ironia contida no livro, que ele critica não pelo que é mas pelo que gostaria que tivesse sido: "um romance que decidisse seguir o caminho oposto ao de Vila-Matas seria dez vezes mais extenso e infinitamente mais substancial". (Discordo também de sua visão romântica e elitista do mundo das letras, que fala em "um tipo de histeria tranqüila em que a literatura não mais busca alcançar uma nobreza que antes detinha, e nem seus autores assumem uma atitude tão responsável com a língua, banalizando-a".)

Sexta-feira, Março 11, 2005

Riqueza de referências

Impressiona a riqueza de referências literárias em Bartleby e companhia. Somente no terceiro capítulo, sobre Rimbaud e Sócrates, em menos de três páginas são citados também Louis Francisque Lélut, Xenofontes, Pere Gimferrer, Platão, Charles Asselineau, Victor Hugo, Paul Morand, e um certo Marius Ambrosinus (que talvez seja o bispo Marius Ambrosius, ao menos a frase falando de deus se encaixa no perfil), sem contar as citações dentro das citações.

Rimbaud e Sócrates

No terceiro capítulo de Bartleby e companhia, Vila-Matas fala de Rimbaud e Sócrates.

O francês Arthur Rimbaud (1854-1891) foi um bartleby exemplar. Escreveu toda sua obra ainda na adolescência, incluindo Une Saison en Enfer (considerado um dos pioneiros do simbolismo) e Illuminations (que inclui os primeiros poemas em versos livres da língua francesa), e aos dezenove anos abandonou a literatura, dedicando-se ao comércio de armas na África. Morreu antes de chegar aos quarenta anos, vítima de uma gangrena na perna que se espalhou pelo resto do corpo.

Se Rimbaud parou de escrever muito cedo, Sócrates (469BC–399BC) nem chegou a começar. O que sabemos de suas idéias vem principalmente através de Platão, que o usou como personagem em seus livros. (Poder-se-ia mesmo pensar que Sócrates nunca passou de um personagem de ficção, criado por Platão e usado também por outros autores, como Xenofontes e Aristófanes, para exemplificar e personificar determinadas idéias. Mesmo as estátuas conhecidas de Sócrates aparentemente foram feitas a partir de uma descrição de Platão e não a partir do modelo vivo.)

Terça-feira, Março 08, 2005

Mensagem da Elianne

Por email, a Elianne Abreu também fala do Raduan Nassar:

Raduan tem mais um livro de contos, Menina a Caminho, além de Lavoura Arcaica e Um Copo de Cólera. O Instituto Moreira Salles publicou um livro sobre Raduan, é um belo livro, tem entrevistas, bibliografia e alguns contos. Ele, além de se negar a escrever, também não quer ler mais, diz que só lê obrigado os livros dos amigos. Tem uma fazenda no interior de São Paulo e cultiva grãos, soja, milho, etc. É um homem extraordinário, quem já leu algo dele nunca esquecerá e, tenho certeza, será uma pessoa diferente. Impossível acabar um livro de Raduan impunemente como quem lê qualquer coisa.

É verdade, Raduan Nassar tem um terceiro livro, Menina a Caminho, publicado em 1997 pela Companhia das Letras. Reúne cinco contos, quatro deles aproximadamente da mesma época de Lavoura Arcaica e Um Copo de Cólera, e o último escrito em 1996 para uma publicação do Instituto Moreira Salles dedicada a Nassar mas não publicado a seu próprio pedido. Ele não é o único bartleby que depois de muitos anos de silêncio volta a escrever algo para em seguida se calar novamente.

Pesquisando sobre o Menina a Caminho encontrei um texto da revista Isto É, Silêncio eloquente, no qual Nassar faz uma declaração sobre o seu exílio literário: "Estou dando uma virada radical na minha vida e começo a me perguntar como é que pude entrar por esse cano da literatura. Minha cabeça fervilha com outras coisas, ando às voltas com agricultura e pecuária, procurando me enfronhar sobre tratores e implementos. Tudo isso que nada tem a ver com o pasto das idéias." E também uma alfinetada no mundo dos livros: "Não existem só os pedantes que se perdem num cipoal de palavras para dizer ninharias, existem também orelhas prolixas, sempre dispostas a ouvir as maiores lorotas."

Mensagem do Jerônimo

Por email, chega o comentário do Jerônimo Ayala:

Tive acesso à referência de Vila-Matas por Rubem Fonseca em seu livro de 2003 Diário de um Fescenino, da Companhia das Letras. Nele, além da citação ao sintoma mórbido de influência melvilliana, há ainda uma citação à sindrome de Zuckerman, personagem de Philip Roth (A Marca Humana) que se negava a escrever pois sempre que acabava um livro seus leitores passavam a acreditar que os personagens eram seu alter-ego ou se baseavam em amigos, parentes ou alguém de seu universo particular.

Encontrei um texto da revista Época que fala das interações personagem-autor, Zuckerman-Roth, Rufus-Fonseca, e ainda inclui trechos do livro erótico Diário de um Fescenino: O abusado Zé Rubem.

Segunda-feira, Março 07, 2005

Robert Musil

É no segundo capítulo de Bartleby e companhia que aparece o personagem Juan, possivelmente o único amigo do narrador, embora pouco se vejam. Segundo ele, "desde Musil não se escreveu um único bom romance". O austríaco Robert Musil (1880-1942) não foi um bartleby, já que escreveu e publicou quase até sua morte, mas mesmo assim voltará a aparecer no livro de Vila-Matas. Apesar de seu romance O Homem Sem Qualidades (Der Mann Ohne Eigenschaften) ter deixado marcas profundas na literatura européia, alguém concordaria com o hiperbólico Juan que depois de Musil nada mais houve digno de nota?

Sábado, Março 05, 2005

Mais bartlebys

Do Alexandre Inagaki:

Coloque aí no seu blog o nome de Campos de Carvalho. Ele publicou seis livros. Dois posteriormente rejeitados pelo próprio autor (característica bem bartlebyana, não?), Banda Forra (1941) e Tribo (1954). E quatro reeditados há algum tempo pela José Olympio Editora em um volume único, A Lua Vem da Ásia (1956), A Vaca de Nariz Sutil (1961), A Chuva Imóvel (1963) e O Púcaro Búlgaro (1964). Escritor magistral, de um humor desconcertante e anárquico, Campos de Carvalho simplesmente afastou-se da cena literária após o lançamento de seu último romance, sabe-se lá se por desencanto com o mundanismo cultural, insatisfação com os próprios escritos ou puro desinteresse.

Walter Campos de Carvalho (1916-1998), influenciado fortemente pelo surrealismo (já é célebre seu parágrafo de abertura de A Lua Vem da Ásia: "Aos dezesseis anos matei meu professor de Lógica. Invocando a legítima defesa - e qual defesa seria mais legítima? - logrei ser absolvido por 5 votos contra 2, e fui morar sob uma ponte do Sena, embora nunca tenha estado em Paris.") e pelo anarquismo (em entrevista ao jornal O Globo: "Eu sempre fui anarquista, liberto de qualquer dogma."), estava esquecido até que seus livros foram reeditados em 1995 no volume Obra Reunida e a crítica o redescobriu e o encheu de elogios.

Um texto de Nelson de Oliveira especula sobre as razões do seu silenciamento: "Há mais de trinta anos decidiu abandonar a literatura, talvez por enfado, talvez por se sentir desiludido com nosso insípido mundo editorial. Segundo suas próprias palavras, uma altercação com o editor Ênio Silveira teria sido a gota d’água que o levara a optar pelo auto-exílio."

Mensagem do Leandro

O Leandro Oliveira escreveu em seu weblog:

Já postei aqui a dica sobre o Pulsão Negativa do Nemo Nox, com o objetivo de comentar o livro Bartleby e companhia de Enrique Vila-Matas. Não conheço ainda o autor e já estava procurando lê-lo e o blog do Nemo Nox me deu um incentivo ainda maior. Só tem um problema: a obra de Enrique Vila-Matas é no esquema venda casada. Você até pode tirar algum proveito do livro, mas seria muito mais interessante se você lesse antes Bartleby, o Escriturário de Herman Melville. Como eu ainda não li o Bartleby de Melville, o trabalho dobra e já que a agenda está apertada, cria-se uma desculpa para deixar a leitura para mais tarde.

Claro que quem já leu o livro do Melville pode ter uma visão diferente do livro do Vila-Matas. Mas não considero imprescindível conhecer um para aproveitar o outro. Até recomendo ler primeiro Bartleby e companhia e ir catando os autores citados numa segunda leitura, como estou fazendo aqui no Pulsão Negativa.

Uns dias depois, o Leandro informa:
Não resisti e acabei de adquirir Bartleby, o Escriturário, de Hermann Melville, numa tradução de Fernando Sabino. Como é um livro bem fininho, devo lê-lo por esses dias mesmo. Após a leitura, espero também ler Bartleby e companhia. A fila que já andava grande continua a aumentar.
Bem-vindo ao clube, Leandro!

Sexta-feira, Março 04, 2005

Felipe Alfau

O bartleby da segunda nota (que também cita rapidamente vários outros escritores, entre eles Rimbaud, Salinger e Hofmannsthal, todos posteriormente tratados com mais vagar) é Felipe Alfau (1902-1999). Catalão migrado para os EUA, publicou na década de vinte o romance Locos: a Comedy of Gestures e o livro infantil Old Tales from Spain e em seguida mergulhou em cerca de vinte anos de silêncio literário. Em 1948 escreveu Chromos (que só foi publicado em 1990) e voltou a silenciar-se por mais cinqüenta anos.

Vila-Matas atribui-lhe uma desculpa para ter parado de escrever: "Parece-me genial o tio Celerino que Felipe Alfau tirou da manga. Acho que é muito engenhoso dizer que alguém renunciou à escrita devido ao transtorno de ter aprendido inglês e de ter-se tornado sensível a complexidades nas quais nunca havia reparado." O trecho em que se baseia, porém, o início de Chromos, não parece concebido para ser tomado com seriedade, e suspeito que todo o livro tenha um tom sarcástico, parodiando os estereótipos freqüentemente aplicados aos latinos: "Quando você aprende inglês, começam as complicações. Por mais que se tente, sempre se chega a essa conclusão. Isso pode ser aplicado a todo mundo, àqueles para quem inglês é a língua materna, mas sobretudo aos latinos, incluídos os espanhóis. Manifesta-se fazendo-nos sensíveis a implicações e complexidades nas quais nunca havíamos reparado, faz-nos suportar o assédio da filosofia, que, sem uma tarefa específica, intromete-se em tudo e, no caso dos latinos, faz com que eles percam uma de suas características raciais: aceitar as coisas como elas vêm, sem indagar as causas, motivos ou fins, sem se intrometer indiscretamente em questões que não são de sua competência, e os torna não apenas inseguros, mas também conscientes de assuntos com os quais não se haviam importado até então."

Quinta-feira, Março 03, 2005

Mais bartlebys

Vila-Matas já disse em entrevistas que freqüentemente recebe cartas indicando bartlebys que não incluiu no livro, alguns propositadamente, outros porque os desconhecia. Pois o Pulsão Negativa também tem recebido sugestões de bartlebys, e vou começar a registrá-las para que formemos aos poucos nossa própria lista.

Da Meg Guimarães:

Uma pena que no livro, Vila-Matas não consignou - ou por desconhecer ou por vontade própria - o nosso (brasileiro) caso mais famoso, Raduan Nassar, que só escreveu Um Copo de Cólera e o outro que me falha a memória neste momento em que estou "paralisada" por uma tremenda gripe, misturada à alergia.

Raduan Nassar (nascido em 1935) publicou Lavoura Arcaica e Um Copo de Cólera nos anos setenta, e depois calou-se. Diz-se que atualmente se dedica à agricultura no interior de São Paulo.

Do Rafael Lima:

Anoto pelo menos dois casos de escritores que não escrevem no Brasil. Nenhum deles parece ser tão radical na sua não-escrita quanto os do livro, mas creio que se enquadram na categoria. O primeiro é Ivan Lessa, que em cinqüenta anos de jornalismo soma apenas dois livros publicados, contra sua vontade. Ivan Lessa sempre se recusou a escrever romances e pouco se preocupou em pôr lombada nos textos mais atemporais ou contos. É dele uma citação ácida acerca disso: "Livro é coisa de pobre; de gente que lê Veja, que escreve para publicação brasileira; que foi, é ou vai ser contratada pela Globo. Seria uma questão de tempo eu ceder à tentação e terminar (...) publicado e resenhado. Com sorte, passaria desapercebido." Curiosamente, Diogo Mainardi, que se diz discípulo de Ivan Lessa, parece seguir tão à risca certo conselho que usou-o como título de seu livro, onde a presença de material inédito é de 0%. O conselho de Lessa: "Não escreva; se tiver que escrever, trate o resto da humanidade aos tapas e pontapés." Anote-se aqui ainda que, depois de quatro boas tentativas, Diogo desistiu de ser escritor e rendeu-se ao jornalismo.

Mas o segundo caso de quem eu falava não era Mainardi, era Carlos Heitor Cony. Depois de Pilatos, em 1975, Cony ficou quase vinte anos (dezoito, creio) sem escrever, até sair Quase Memória, em 1995. As justificativas de Cony estão entre o vago e o questionável: disse ele que preferia ficar cuidando do cachorro, que não tinha nada a dizer naquele meio tempo, que só escreveu o livro quando o cachorro morreu e porque tinha descoberto o processador de texto, que agilizou demais a escrita. Já encontrei entrevista dele dizendo que, se não fosse pelo processador, não teria voltado a escrever.

Não sei se Lessa, Mainardi e Cony mereceriam a denominação de bartlebys. Porque mesmo deixando de publicar em livro ainda escrevem, e muito. Ivan Lessa é correspondente da BBC Brasil, Diogo Mainardi é colunista da Veja, Carlos Heitor Cony é cronista da Folha de S. Paulo.

Parece-me que a característica principal de um bartleby não é negar-se a publicar em livro e sim negar-se a publicar em qualquer formato (ou, ainda mais radicalmente, negar-se a escrever). Incluiria numa lista de bartlebys, portanto, Raduan Nassar mas não Ivan Lessa, Diogo Mainardi ou Carlos Heitor Cony.

Quarta-feira, Março 02, 2005

Juan Rulfo e Augusto Monterroso

O escritor seguinte citado por Vila-Matas, ainda em sua primeira nota, é o mexicano Juan Rulfo (1917-1986), um dos precursores do realismo mágico. Depois de publicar o livro de contos El Llano en Llamas e o romance Pedro Páramo, Rulfo ficou mais de trinta anos sem escrever. É dele uma das mais simpáticas e engraçadas desculpas pelo silêncio literário: "É que morreu meu tio Celerino, que era quem me contava as histórias." Vila-Matas menciona também Augusto Monterroso (1921-2003), guatemalteco que nasceu em Honduras e morreu no México, que teria trabalhado no mesmo escritório com Rulfo, ambos copistas (como Bartleby). Eu conhecia Monterroso por ser o autor do menor conto do mundo (ou um dos menores contos do mundo), El Dinosaurio: "Cuando despertó, el dinosaurio todavía estaba allí." (E aqui temos outro ótimo tema para um weblog, microcontos. Alguém se arrisca?) Esta primeira nota, recheada de bartlebys, fala também de Rimbaud, en passant, mas Vila-Matas voltará a ele mais adiante.