Sexta-feira, Fevereiro 25, 2005

Roberto Moretti

Ainda falando sobre Robert Walser, Vila-Matas menciona um livro e um autor sobre os quais não consegui encontrar qualquer referência em outros lugares: "Instituto Pierre Menard, romance de Roberto Moretti, é ambientado num colégio em que ensinam a dizer 'não' a mais de mil propostas, desde a mais disparatada até a mais atraente e difícil de se recusar. Trata-se de um romance com toques de humor e uma paródia muito engenhosa do Instituto Benjamenta de Robert Walser. De fato, entre os alunos do instituto encontram-se o próprio Walser e o escrevente Bartleby. Quase nada acontece no romance, exceto que, ao concluírem seus estudos, todos os alunos do Pierre Menard saem dali convertidos en consumados e alegres copistas."

Uma busca no Google encontra várias pessoas com o nome Roberto Moretti (um escultor, um ciclista, um epidemiólogo, etc), mas aparentemente nenhum escritor. A livraria Amazon tampouco tem um autor com este nome em seu catálogo. Estaríamos perante o primeiro dos cinco farsantes do livro (Vila-Matas disse numa entrevista que "en Bartleby hay cinco autores y cinco libros inventados que pasan por reales")? Convém lembrar que o Pierre Menard do título é uma referência ao conto Pierre Menard, autor del Quijote, do Jorge Luis Borges, sobre um escritor fictício.

Robert Walser

O primeiro bartleby citado no livro é o suíço Robert Walser (1878-1956), autor de contos e romances, dos quais o mais famoso é Jakob von Gunten, de 1909. Após o final da primeira grande guerra, Walser encontrou-se em dificuldades financeiras, com uma carreira literária que já não era capaz de lhe garantir o sustento. Trabalhou então em várias ocupações, entre elas a de copista, como o personagem Bartleby, mas entrou numa espiral descendente que incluiu bebedeiras, insônia, pesadelos e ataques de ansiedade. Acabou internando-se voluntariamente numa instituição psquiátrica com o diagnóstico de depressão profunda. Apesar de ter recebido alta mais de uma vez, nunca saiu dos sanatórios (primeiro em Waldau, depois em Herisau), e de 1932 até sua morte em 1956 não voltou a escrever. A um visitante que lhe perguntou por que não escrevia mais, ele respondeu com a frase que ficou famosa: "Não estou aqui para escrever, estou aqui para ser louco."

Quarta-feira, Fevereiro 23, 2005

A síndrome de Bartleby

É ainda na introdução do livro (embora não explicitamente chamada de introdução, é o trecho sem título que antecede a primeira nota numerada) que Vila-Matas define o assunto de Bartleby e companhia: "Já faz tempo que venho rastreando o amplo espectro da síndrome de Bartleby na literatura, já faz tempo que estudo a doença, o mal endêmico das letras contemporâneas, a pulsão negativa ou a atração pelo nada que faz com que certos criadores, mesmo tendo consciência literária muito exigente (ou talvez precisamente por isso), nunca cheguem a escrever; ou então escrevam um ou dois livros e depois renunciem à escrita; ou, ainda, após retomarem sem problema uma obra em andamento, fiquem, um dia, literalmente paralisados para sempre."

Apesar de grande parte dos exemplos apresentados no decorrer do texto ser de séculos passados, Vila-Matas (ou seu narrador) parece considerar que a síndrome de Bartleby é não só uma tendência contemporânea mas também uma etapa inescapável da literatura, e a chama de "o único caminho que permanece aberto à autêntica criação literária". Daí ele espera que surja uma nova literatura: "Apenas da pulsão negativa, apenas do labirinto do Não pode surgir a escrita por vir."

Mensagem do Mario

Hoje chegou também uma agradável surpresa de Barcelona, terra do Vila-Matas, um email do leitor Mario Gomez:

Desde el principio – hará un par de meses creo, no más - me sorprendieron tus páginas en la red por su sencillez y elegancia. Por otro lado, y sin haberla estudiado, tengo un especial cariño por la lengua portuguesa. Así que intento visitar tus páginas periódicamente y disfrutar con ellas. Lo consigo, la verdad.

Me resultó entrañable que dedicaras un post a nuestro querido Quijote; ahora me sorprendes de nuevo con un libro de Enrique Vila-Matas. Se trata de un autor que tenía en la recámara, esperando tener más tiempo libre para dedicarle. Ahora, después de leer tus comentarios, no lo he podido evitar: he ido directo a la librería (Casa del Llibre, de Barcelona) a por él; sí, ya lo tengo entre mis manos y he iniciado su lectura. Espero – estoy seguro de ello - disfrutarla tanto como tus páginas.

Bueno, en realidad sólo quería darte las gracias por aportar una buena dosis de frescura en este mundo tan artificial, tan superficial, tan competitivo, tan 'global', tan... tan, a pesar de todo, nuestro.
Gracias, Mario!

Mensagem da Meg

A Meg Guimarães foi a primeira a enviar um email para o Pulsão Negativa:

Estou absolutamente fascinada com Vila-Matas. Bem mais do que um soberbo estudo, uma reflexão sutil sobre os autores de um só livro, para mim ele proporcionou meu reencontro com o Melville. E mergulhei no pequeno mas denso, Bartleby, o scrivener. Nemo, acho excelente a idéia de fazer um blog, mas o grande lance mesmo nisso tudo, é o nome que você deu ao blog. Em primeiro lugar, porque o que mais se parece com um scrivener senão um blog, onde se escreve, se copia, se preserva coisas e idéias? Em segundo lugar, Pulsão Negativa não poderia ser mais apropriado, pois apesar de ser uma negação, apesar de ser um preferência pelo não, uma pulsão é sempre uma força, e sempre achei que - das forças do desejo - as mais poderosas pulsões são aquelas que restringem.
Thanks, Meg!

Terça-feira, Fevereiro 22, 2005

O título

A explicação do título vem logo na primeira página do livro: "Todos nós conhecemos os bartlebys, seres em que habita uma profunda negação do mundo. Emprestam seu nome do escrevente Bartleby, o copista de um dos contos de Herman Melville (...)."

Herman Melville (1819-1891) é um dos mais celebrados escritores dos EUA, particularmente por seu livro Moby Dick. O conto Bartleby, the Scrivener foi publicado pela primeira vez na revista Putnam's Magazine em 1853, e três anos depois apareceu no livro The Piazza Tales. O texto é freqüentemente citado como fonte de inspiração para autores como o existencialista Albert Camus e o absurdista Samuel Beckett.

Existem pelo menos duas edições brasileiras de Bartleby, o Escriturário, uma da editora Rocco, outra da editora L&PM.

Segunda-feira, Fevereiro 21, 2005

Definição de gênero

Não é fácil classificar Bartleby e companhia numa categoria tradicional, pois situa-se na região limítrofe entre o ensaio e a novela. Talvez prevendo este impasse, Vila-Matas resolve a questão logo no primeiro parágrafo do livro com uma definição borgesiana: trata-se de "um caderno de notas de rodapé comentando um texto invisível". (No prólogo de El Jardín de Senderos Que Se Bifurcan, Jorge Luis Borges (1899-1986) escreveu: "Desvarío laborioso y empobrecedor el de componer vastos libros; el de explayar en quinientas páginas una idea cuya perfecta exposición oral cabe en pocos minutos. Mejor procedimiento es simular que esos libros ya existen y ofrecer un resumen, un comentario. Así procedió Carlyle en Sartor Resartus; así Butler en The Fair Haven; obras que tienen la imperfección de ser libros también, no menos tautológicos que los otros. Más razonable, más inepto, más haragán, he preferido la escritura de notas sobre libros imaginarios.")

Epígrafe

A frase que abre Bartleby e companhia é do escritor francês Jean de la Bruyère (1645-1696), um dos imortais da Académie Française. No original: "La gloire ou le mérite de certains hommes est de bien écrire; et de quelques autres, c'est de n'écrire point."

Domingo, Fevereiro 20, 2005

O autor

Enrique Vila-Matas nasceu em Barcelona, Espanha, em 1948. Aos vinte anos de idade, mudou-se para Paris, França, onde deu início à sua carreira de escritor. Antes de Bartleby y compañía, publicou nove livros de ficção: La asesina ilustrada (1977), Impostura (1984), Historia abreviada de la literatura portátil (1985), Una casa para siempre (1988), Suicidios ejemplares (1991), Hijos sin hijos (1993), Lejos de Veracruz (1995), Extraña forma de vida (1997) e El viaje vertical (1999). Recebeu vários prêmios literários, entre eles o Premio Rómulo Gallegos (por El viaje vertical), o Premio Ciudad de Barcelona, o Prix Fernando Aguirre-Libralire e o Prix du Meilleur Livre Étranger (por Bartleby y compañía).

Algumas entrevistas com Enrique Vila-Matas:

  • Punto G
  • Página/12
  • Literaturas
  • El Mundo
  • Anika Entre Libros

  • O livro

    Bartleby e companhia foi publicado no Brasil pela editora Cosac Naify, com tradução de Maria Carolina de Araújo e Josely Vianna Baptista. Os dados oficiais:

    Bartleby e companhia
    Enrique Vila-Matas
    Cosac Naify
    188 páginas
    15,5 x 22,5 cm; 0,4 kg;
    ISBN 85-7503-381-6

    O livro pode ser adquirido nos seguintes sites:

  • FNAC (R$30,40)
  • Submarino (R$34,90)
  • Cosac Naify (R$39,00)
  • Livraria Cultura (R$ 39,00)

  • Sábado, Fevereiro 19, 2005

    Disclaimer

    Faço este weblog somente pelo prazer de o fazer. Não tenho qualquer ligação profissional com o autor Enrique Vila-Matas ou com a editora Cosac Naify. Os links que ofereço para a compra do livro não geram qualquer comissão para mim. Os direitos sobre o livro Bartleby e companhia são de Enrique Vila-Matas (© 2000) e de Cosac Naify (© 2004) e os trechos citados neste weblog seguem as normas do fair use.

    Por que um weblog?

    Escolhi o formato de weblog para este Pulsão Negativa por várias razões. Porque o livro pareceu-me ter um potencial hipertextual muito grande, repleto de citações que merecem ser exploradas. Porque o livro é estruturado quase num formato de weblog, com trechos curtos numerados. Porque o livro trata de pessoas que decidiram não escrever mais, comportamento oposto ao dos blogueiros que sempre parecem ter algo mais a escrever. Porque anotações em ordem cronológica parecem-me uma boa forma de acompanhar a leitura ou a releitura de um livro. Porque comentar um livro em público é um convite ao diálogo e espero poder trocar idéias com outras pessoas que estão lendo ou relendo o livro. Porque gosto de weblogs.

    Sexta-feira, Fevereiro 18, 2005

    Início

    Aqui começa o Pulsão Negativa, weblog que acompanha a (re)leitura do livro Bartleby e companhia (Bartleby y compañia, Cosac Naify, 2004), do Enrique Vila-Matas.